Um divórcio, com a consequente desilusão, e O Processo, de Kafka. Foram estes os dois pontos de partida para que surgisse esta amizade que nada faria supor.
Naquela altura o meu escritório era, e seria por mais algum tempo, o contentor da obra. E então o manobrador de bobcat começou a chegar tarde durante alguns dois ou três dias seguidos. Não era habitual e toda a gente comentava por achar estranho. Após um desses atrasos, perguntei-lhe se tinha acontecido alguma coisa. A sua reacção foi para mim completamente inesperada, tendo deixado que algumas lágrimas lhe escapassem cara a baixo.
Depois passámos a estar algo próximos cada vez que se proporcionava. Desabafava comigo e eu ouvia-o lamentar quanto desafortunada se tinha tornado a sua vida. Consegui que adoptasse outros interesses e um deles a leitura. O jornal Público ainda distribuía a colecção mil folhas, que eu ia completando. Ao ver-me com o jornal, e ao falarmos sobre essa colecção, pediu-me que trouxesse também para ele, um livro todas as semanas, sem excepção. O primeiro foi O Processo, de Kakfa. Achei que para início de “vício” não era o mais apropriado, mas surpreendeu-me porque leu, gostou, e apesar da complexidade do próprio Kafka, apanhou o absurdo da história.
Hoje M continua a ser um dos meus melhores amigos. Somos praticamente da mesma idade, mas pouco, ou mesmo nada, tínhamos em comum, no entanto isso não impediu o que achava bastante improvável, que era ter alguém como ele como um grande amigo. Esta amizade mostrou-me, e mostra-me todos os dias, que as pessoas nem sempre são como julgaríamos que fossem.
Quando listei os seis pontos deste desafio achei que era altura de ler O Processo.